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28 de março de 2017 - 10h33
Por Daniel Rimoli (*)
Estamos na época de lançamento da 17ª edição do Edelman Trust Barometer, estudo global que mede o nível de Confiança nas instituições em 28 países. Em um momento sensível de descrença da população, o estudo vem ganhando cada vez mais destaque nos meios de comunicação como Exame e Globo News. Lendo e relendo, o que mais me surpreendeu este ano foi como a atual vida digital vem sendo o verdadeiro catalisador para os principais sintomas do atual estado de (des)confiança nas marcas, instituições, mídia e pessoas.
Conclusões como o maior crédito dado às pessoas comuns, aos mecanismos de busca, aos algoritmos e editores robôs, além do grande desejo de reforçar apenas as opiniões e crenças similares às minhas, sustentando a chamada “echo chamber”, têm um alinhamento tão grande a tudo o que estamos discutindo nos últimos anos após a explosão mobile / social media, que seria ingênuo não perceber o quanto a vida digital atua quase de forma silenciosa na aceleração da construção da percepção por parte das pessoas.
Passada a era em que o Digital viveu isolado em um desktop e concentrado em um grupo de geeks, chegou a predominância da cybervida. Do Norte ao Sul do País, dos nossos avós até nossos filhos, o uso de celulares, aplicativos e WhatsApp são amplamente difundidos, com quase 70% da população brasileira utilizando ativamente. E isso ampliou nossa voz, nosso poder de compartilhamento de informação e acelerou o processo de formação de opinião em marcas e instituições. O Trust Barometer mostra o quanto a pirâmide de influência se inverteu e é fácil concluir que a penetração e fluência do Digital teve papel fundamental nisso. As pessoas querem participar, falar com as empresas, ter uma relação mais calorosa. Quando perguntados sobre qual canal teria maior credibilidade, 58% dos entrevistados brasileiros disseram que eram as Mídias Sociais em relação a 42% da Publicidade. 60% preferem que as marcas sejam francas e diretas e 62% desejam que que elas tenham uma fala espontânea.
No celular, recebemos de forma difusa uma infinidade de informações, memes, notícias, curiosidades e eventos, em canais como WhatsApp, YouTube e Facebook, seja em grupos da família, de colegas de trabalho, de amigos da escola, etc. . Para alguns nichos, plataformas como o Twitter e o LinkedIn ainda têm influência nesse cenário. Isso sem esquecer da importância do Google na busca de informações e notícias. No meio de todo este volume de informações embaralhadas, aparecem pedaços de histórias de entidades de governo, ONGs, mídias e marcas, tudo sem hierarquia e também em vozes diferentes – por ora do seu primo distante, outras vezes em um veículo de mídia com mais de 100 anos de história, competindo de igual para igual.
Com o aprimoramento dos algoritmos, as mídias tradicionais têm cada vez menos espaço nos feeds das principais redes sociais. O principal agente da disseminação da novidade é alguém como você. E cada vez que você recebe uma notícia nova, ela vai ficando mais alinhada às suas crenças, já que ela está adaptada ao seu filtro pessoal. Os canais digitais já perceberam isso e hoje trabalham para potencializar a “câmara de ressonância”. Para alguém de fora, fica cada vez mais difícil penetrar neste espaço e construir a Confiança em uma instituição ou marca.
Globalmente, pela primeira vez, o Edelman Trust Barometer mostrou que uma “pessoa como nós” é um porta-voz mais crível do que qualquer outro representante institucional – empresas, governo, ONGs e até acadêmicos. No Brasil – isso é histórico – em todas as edições, a maioria da população sempre apontou as pessoas comuns como as mais críveis para ajudar a formar uma opinião. Este ano não foi diferente: 78% confia nesse grupo.
Isso corrobora com algumas fortes tendências que estamos vivendo. Primeiro, aquela que fala do poder dos micro-influenciadores: um estudo promovido pela Takumi identificou que influenciadores com até mil seguidores geram engajamento 5 vezes superior ao engajamento dos influenciadores que possuem mais de 100 mil seguidores. Eles também se engajam 22x mais em conversas sobre produtos do que o consumidor comum e 82% dos consumidores declararam que consideram altamente uma ação a partir da recomendação de um micro-influenciador.
Em segundo lugar, vemos a construção de reputação em um ambiente digital e real time, exemplificada no famoso episódio “Queda Livre”, na 3a temporada da série Black Mirror. O Digital veio trazer um hábito de avaliação constante, com a consequente leitura regular desses comentários e notas, e assim chegarmos às nossas próprias conclusões. De novo, mais que a imprensa ou a publicidade tradicional, são as pessoas comuns, por meio do Digital, que influenciam as outras pessoas. É o cenário perfeito para serviços oferecidos por marcas como Trip Advisor, Uber, Reclame Aqui, Foursquare, Kekanto, Apontador e o próprio Google, que agrega várias dessas ferramentas.
Um indicador muito sério também é a total perda de esperança: 62% dos brasileiros perderam totalmente a confiança no sistema, chegando à conclusão que ele sempre falha. Ao mesmo tempo, vemos um crescimento de credibilidade trazido pelo Digital: as ferramentas de busca atingiram um nível de confiança de 83% no Brasil, (aumento de 12 pontos percentuais em relação ao ano anterior), à frente da mídia tradicional e social.
Além disso, 57% preferem editores robôs a editores humanos para filtrar e selecionar as notícias. É a era dos curadores automatizados como Google News, Flipboard, Apple News, Facebook Instant Articles, entre outros.
Vemos também que chegamos à era da aceitação do algoritmo, mesmo com a crise das fake news: 43% não costumam escutar pessoas ou organizações de que discordam com frequência e as pessoas estão 6,5 vezes mais propensas a ignorar informações que sustentem uma posição na qual não acreditam. Sabe aquele dia que você postou “falou besteira, vai tomar unfollow”, pois é…
O Edelman Trust Barometer 2017 traz indicadores relevantes para as instituições e é hora de prestar muita atenção no quanto a presença constante da vida digital é motor para a construção de confiança. É difícil fazer exercício de futurologia, mas acredito que nos próximos anos vamos virar a página e perceber entidades que aprenderam a lição e reforçaram atributos como integridade, propósito e a qualidade dos produtos.
Outras irão além, compreendendo as mudanças profundas que o Digital trouxe na comunicação e na construção da confiança, e estabelecendo novas formas para o engajamento, que priorizem transparência, espontaneidade e mensagens diretas. Afinal, bastam 3 segundos e 2 cliques para que qualquer pessoa envie uma história para centenas de outras pessoas, que por vezes vão fazer isso em escala exponencial, gerando assim uma massa de percepção.
(*) Daniel Rimoli é Líder da Área Digital e de Criação da Edelman.